Padre Gianni Treglia presidiu à celebração de exéquias do padre Casimiro Torres e destacou o silêncio e a humildade deste missionário da Consolata, além da sua identificação com os mais pobres e últimos. Nestes dias chegaram centenas de mensagens de pêsames e também alguns testemunhos, entre os quais o do Superior Geral da Consolata. As cerimónias fúnebres foram muito participadas.
Texto: Albino Brás
A Igreja Paroquial de São Mamede do Coronado foi pequena para acolher a enorme massa humana que acorreu ao funeral do padre Casimiro Torres, falecido no sábado, 14 de janeiro 2023, aos 56 anos, na casa dos Missionários da Consolata em Águas Santas, vítima de doença prolongada. Além dos familiares (família de berço e família religiosa missionária), foram muitos os conterrâneos, amigos e conhecidos que quiseram estar presentes no último adeus ao padre Casimiro.
Presidiu à eucarística o padre Giovanni Treglia, superior regional dos Missionários da Consolata na Europa e concelebraram cerca de 30 padres, entre missionários da Consolata e diocesanos, e um diácono. O pároco local, padre Micael Silva, na introdução à celebração manifestou surpresa pela grande participação de fiéis e sacerdotes e testemunhou que ainda que esteja naquela paróquia há apenas três anos sempre lhe falaram muito bem deste filho da terra, o padre Casimiro Torres. A liturgia da celebração de exéquias foi muito participada, com cânticos tradicionais e também missionários (ouviu-se até o kiswahili, língua que se fala também na Tanzânia, onde o padre Casimiro estava em missão, quando lhe foi diagnosticada a doença). A urna, diante do altar, estava envolta com uma capulana, peça de vestuário com múltiplos usos na cultura africana, e carregada de africanidade.
Padre Gianni: “Que o testemunho da tua vida seja consolação para todos”
Na homilia da missa de funeral, o padre Gianni parte do texto do Juízo Final, do evangelho de Mateus, para desenvolver a sua reflexão. A primeira parte foi mais teológica e num segundo momento procurou traduzir aquela teologia no método missionário dopadre Casimiro. “O que o Evangelho nos ensina é isto: para encontrar o Deus que já está em nós, não devemos espiritualizar-nos, não devemos separar-nos dos outros através de certos estilos de oração, de devoção, mas devemos simplesmente humanizar-nos: quanto mais nos humanizarmos, mais descobriremos o divino que está em nós. Esta é a novidade que Jesus nos veio trazer. Nele, Deus fez-se homem, completamente homem, e só quem é humano, só quem é profundamente humano encontra o divino na sua existência. E é precisamente porque este Deus se fez profundamente humano que a relação com Ele não se baseia nas atitudes religiosas, espirituais, mas sobre aquelas que são as regras normais e básicas de comportamento humano: “tinha fome”, “tinha sede”, “estava preso”, “era estrangeiro”. Ou seja, este texto do evangelho, para o padre Gianni, “é um recordar da necessidade de reconhecer o Senhor nos mais pequenos de todos: este é o centro da nossa fé cristã e da ação de cada cristão”, sublinhou.
Centrando a sua reflexão, quase já num discurso direto com o padre Casimiro, o presidente da celebração prosseguiu: “Gosto de te recordar através desta passagem do evangelho de Mateus. Tu soubeste acolher o amor de Deus, acolhendo o mesmo Deus na pessoa dos últimos que serviste. Como Jesus, o mistério e a missão do pobre foi o teu próprio mistério e missão. Também acolheste a vontade de Deus, entregando-Lhe toda a tua vida até ao fim, através da cruz que carregaste duramente estes últimos tempos de sofrimento, sem nunca te lamentares”.
O padre Gianni não tem quaisquer dúvidas em afirmar que o padre Casimiro se identificou “com os últimos”, de que fala o evangelho. E, já visivelmente emocionado, apontou algumas características que, segundo ele, estiveram muito presentes na vida e obra do padre Casimiro. Explica: “são três as caraterísticas que sempre vi e que mais admiro em ti, desde que nos conhecemos quando andávamos no seminário, lá na Itália, estudando filosofia”. Ei-las:
SILENCIOSO – “Não eras uma pessoa de muitas palavras, mas mais inclinado a escutar os outros. Nem sequer me lembro de que tenhas alguma vez levantado a voz para gritares ou repreenderes alguém. Bem pelo contrário: eras um homem da presença, da ação, uma pessoa muito prática. Em ti reconheço o filho do nosso Beato José Allamano, quando ele dizia «o bem deve ser bem feito e sem barulho».”
HUMILDE – “Jamais quiseste algo para ti; concedias sempre a vez aos outros, desde os irmãos que contigo viviam às pessoas que tanto amavas. Dar nas vistas diante de todos e querer ser mais do que todos, nada tinha a ver contigo: como Maria, para mim e para ti Maria Consolata, humilde serva do Senhor, deste simplesmente o teu “Sim”.
ÚLTIMO – “Não estou a falar de provas desportivas ou de títulos académicos, onde há um primeiro e um último. Não, nada disso! Não só serviste os últimos, como te entregaste totalmente, toda a tua vida com eles e para eles, até à última das tuas forças e do teu amor. Fizeste-te último com os últimos, tornando-te num deles. (…)”
Já com a voz embargada e lágrimas nos olhos, e depois de um longo mas eloquente silêncio, o padre Gianni concluiu a sua reflexão com sentimento de ação de graças:
“Caríssimo Casimiro, enquanto hoje rezamos por ti, acompanhando-te neste último pedaço de estrada, agradecemos a Deus porque nos ofereceu o dom da tua vida. O testemunho da tua vida não é somente a vivência plena do evangelho, mas para todos nós foste e serás sempre Evangelho vivo.
Que o testemunho da tua vida seja consolação para todos os que te conheceram: em primeiro lugar, para os teus familiares, em especial a tua mãe, o teu irmão e sua família; também para as pessoas da tua terra e para todos os missionários da Consolata de Portugal, da Europa e, com um carinho muito especial, da tua Tanzânia. Obrigado, meu amigo e irmão, e que Deus te acolha em Seus braços!”
Mensagens. Estando longe, fizeram-se presentes
Foram às centenas as mensagens recebidas por ocasião do falecimento e funeral do padre Casimiro, sobretudo através das redes sociais da Consolata em Portugal. Todas referem a figura do padre missionário que não deixou ninguém indiferente e de quem guardam boas e gratas memórias. De todas as mensagens, vamos aqui destacar duas, recebidas por email. A do padre Stefano Camerlengo, Superior Geral do IMC e a do padre Erasto Mgalama, superior regional IMC na Tanzânia, onde o padre Casimiro estava em missão, até ficar doente.
Padre Stefano: “profundamente agradecido a Deus”
Depois de dirigir palavras de conforto e gratidão à família e a todos aqueles que estiveram mais próximos, prestando cuidados ao padre Casimiro, especialmente nos momentos mais difíceis da sua enfermidade, numa mensagem intitulada “O amor não termina com a morte”, o padre Stefano faz um reflexão sobre o que fica de cada missionário que parte:
“Seja-me permitido dizê-lo, hoje com mais consciência do que há alguns anos atrás, tendo acompanhado vários confrades até à morte; quando um missionário morre ele leva consigo não só a si mesmo, mas leva consigo um infinito de vidas. Todas as que cruzaram a sua vida, de uma forma ou de outra, por longos ou muito curtos tempos, numa confissão ou numa amizade intensa, num momento de oração ou através da ajuda dada ou recebida. A vida do missionário é uma encruzilhada onde tantas e tantas pessoas necessitadas param, muitos deles à procura da luz. Sempre que um missionário sobe ao céu, leva consigo, de forma renovada, estas vidas, estas expectativas, estas questões, estas súplicas, estes dramas, estas descobertas. E assim o mundo também é renovado. O amor de um missionário não termina com a morte, mas continua com maior intensidade, com maior profundidade. Porque agora vê. Vê o que não podia ver antes. E sabe o que não podia saber antes”.
Stefano diz-se “profundamente agradecido a Deus” por ter conhecido o padre Casimiro. “O Padre Casimiro era um missionário inteligente e bom, muito bom. Inteligente, de uma inteligência que vinha da sua paixão pela vida e pela missão. Era, acima de tudo um missionário muito humano, cheio de humanidade verdadeira e autêntica. Na sua missão, nos muitos anos que passou na Tanzânia, fez com que as pessoas percebessem, pelo exemplo e não por palavras, o que significa amar os outros. Era um ponto de referência silencioso, mas presente, uma referência constante para os muitos necessitados e necessidades da comunidade.” E prossegue a mensagem, convidando-nos a agradecer “por tudo o que o Padre Casimiro foi, por tudo o que ofereceu, por tudo o que deu ao número infinito de pessoas de quem se aproximou.”
Quase ao concluir a mensagem, padre Stefano cita o fundador do IMC, o Beato Allamano, quando, em resposta aos pêsames pela morte de um missionário, em 1918, dizia: «Agradeço-vos as belas expressões de pêsames pela partida do querido missionário. É certo que o Instituto sofreu uma perda muito séria, tanto ele era necessário. Mas seja feita a vontade de Deus. Do Paraíso pelo carinho que tinha pelo Instituto continuará a protegê-lo, e pedirá muitas graças para que ele cumpra a sua missão».
O superior geral conclui: “Descansa em paz, querido Padre Casimiro, vela por nós do céu como um bom anjo que nos ajuda a viver melhor a nossa vida e missão na fé, esperança e caridade. Por minha parte, e também em nome de todo o Instituto dos Missionários da Consolata, um abraço, uma lembrança e uma oração por todos vós, especialmente pela mãe!”
Erasto Mgalama: “ Casimiro lutou como um orgulhoso leão da savana africana”
Sendo o atual superior regional imc na Tanzânia, na mensagem enviada por ocasião do funeral, padre Erasto escreve em nome de toda a região e começa por manifestar a surpresa pela morte do padre Casimiro. “A notícia da morte inesperada do nosso querido confrade chegou até nós com muita tristeza”. Diz que o seu coração “está cheio de tristeza por perder um amigo, um confrade; por isso não é fácil encontrar as palavras certas para escrever”. Confessa que não estavam à espera que acontecesse tudo tão rápido, até porque, prossegue: “tínhamos começado a acreditar que ele regressaria à Tanzânia para continuar a missão connosco, com o seu povo tanzaniano”.
Padre Erasto sublinha a força de fé do padre Casimiro, que “lutou com a sua doença como um orgulhoso Leão da Savana Africana”.
Na sua mensagem, padre Erasto conta um pormenor interessante da vida pastoral do falecido: “o Padre Casimiro costumava dirigir-se a todos, ‘Mtakatifu wa Bwana’, o que significa ‘Santo de Deus’, penso que era a sua forma de dizer que nos amava a todos como santos e queria que fôssemos santos. Certamente tinha internalizado o ensinamento do Beato Allamano que nos disse que devemos ser santos para fazer de nós missionários, já que a Boa Nova é Cristo, o Santo de Deus a quem nós trazemos para o povo. (…) Dado o seu estilo de vida, uma pessoa que vivia numa relação de simplicidade e bondade com todos, podemos dizer que ele nos via a todos como santos de Deus. A sua forma de nos olhar sempre foi positiva, cheia de bondade, por isso ele viu-nos e tratou-nos como santos. À sua maneira, ele também soube viver uma vida de otimismo e paciência. Ele surpreendeu-nos a todos com o seu sorriso e paciência em tempos de sofrimento. Ele nunca sobrecarregou ninguém, nunca resmungou que a sua cruz era demasiado pesada. Ele sempre nos desarmou com o seu sorriso e humor quando o visitávamos no hospital. Ele sempre nos pediu para rezarmos por ele para que pudesse voltar a trabalhar com o seu povo”.
O padre Erasto termina a sua mensagem agradecendo ao padre Casimiro “por tudo o que fez pela Tanzânia, para o seu povo e para a Consolata”, sublinhando a ‘herança’ que a sua partida nos deixa: “Ensinou-nos tanto como viver a fraternidade e, sobretudo, como carregar a nossa cruz com um sorriso”. “Agora, é também a tua vez de rezar por nós. Pedimos-te que rezes para que Deus envie consolo aos seus entes queridos em Portugal, na Tanzânia e a toda a parte. Padre Casimiro ‘tunakupenda na tutakumisi sana…. Starehe kwa amani Mtakatifu wa Bwana! AMINA”, conclui a mensagem.
– Dai-lhe, Senhor, o eterno descanso. Entre os esplendores da luz perpétua. Descanse em paz. Ámen
Nota: a Missa de Sétimo Dia em Águas Santas está marcada para o próximo sábado, dia 21 de janeiro, pelas 19h: Na paróquia da sua terra natal, São Mamede do Coronado, está marcada para o domingo, 22, na missa dominical das 8h30.