Liturgia do 22º Domingo Comum – Ano B

A ecologia do coração

Deut 4, 1-8; Tg 1, 17-27; Mc 7, 1-23

Depois de termos reflectido ao longo de cinco domingos sobre “Jesus – Pão da Vida”, voltamos neste 22º Domingo Comum ao Evangelho de S. Marcos.
No trecho deste domingo Jesus ataca pela raiz a tendência que está em nós de dar mais importância aos ritos exteriores do que às disposições do nosso coração. Mais ao desejo de aparecermos bons aos olhos dos outros do que sermos verdadeiramente bons no nosso coração.

É uma lição não só de ordem individual, mas também social e colectiva. Podemos dizer que essa distorção, denunciada por Jesus, de dar mais importância à limpeza exterior do que à pureza de coração, reproduz-se hoje à escala mundial. De facto, preocupamo-nos muitíssimo com a poluição exterior e física da atmosfera, com as águas poluídas dos nossos rios e mares, e com o buraco no ozono, mas calamo-nos despudoradamente perante a poluição interior e moral que alastra à nossa volta. Indignamo-nos, e com razão, com as imagens de aves marinhas cheias de petróleo e alcatrão e incapazes de voar, mas não fazemos a mesma coisa quando deparamos com crianças precocemente viciadas e apagadas por causa da cinza de malícia que se vai cobrindo os espaços da nossa vida.
Fique bem claro que não se trata aqui de colocar estes dois tipos de poluição um contra o outro. A luta contra a poluição ambiental e o cuidado a termos com a higiene é um sinal de progresso e de civilização a que não se pode renunciar. Jesus não disse, naquela ocasião, que não era preciso lavar as mãos ou os copos e tudo o mais. Disse que isso não era suficiente, porque não se ataca o mal pela raiz.

Jesus lança o programa de uma ecologia do coração. Jesus é muito claro: “Ouvi-Me e procurai compreender. Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro; porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem lá de dentro e tornam o homem impuro”.
É esta ecologia interior que primeiramente devemos procurar porque é isso que mais contamina o nosso mundo. Por exemplo, uma das coisas que mais prejudicam e tanto se esquecem é a calúnia ou maledicência que infectam as nossas relações mútuas. Se quisermos verdadeiramente realizar uma obra de bonificação do nosso coração teremos que lutar contra tudo o que mina as relações dentro de uma comunidade ou grupo familiar ou social.
A murmuração, a má-língua, a bisbilhotice, a coscuvilhice, a intriga ou o mexerico são um verdadeiro veneno que, uma vez difundido, é muito difícil de neutralizar.

Conta-se que uma vez uma mulher foi-se confessar a S. Filipe Neri, um santo romano de muito bom humor e boa disposição. A mulher acusou-se de ter falado mal de alguém e de ter caluniado algumas pessoas. O santo absolveu-a, mas deu-lhe uma estranha penitência. Pediu-lhe que fosse ao galinheiro dela, que agarrasse uma galinha e viesse ter com ele, depenando-a ao longo do percurso entre a sua casa e a residência do santo. Quando a mulher voltou com a galinha totalmente depenada, disse-lhe: “Agora volta para trás e recolhe uma por uma todas as penas que deixaste cair pelo caminho”. “É impossível – exclamou a mulher – o vento já as levou para muito longe daqui”. “Pois é – retorquiu o santo. Estás a ver? Do mesmo modo que é impossível recolher todas as penas da galinha assim é impossível retirar as murmurações e calúnias que saíram da tua boca”.

Darci Vilarinho