Diamantino Antunes, primeiro missionário da Consolata português nomeado bispo, vai ser sagrado bispo e tomar posse dos destinos da Diocese de Tete, em Moçambique, no domingo 12 de maio. Diz ter sido apanhado de surpresa quando recebeu a nomeação episcopal por parte do Papa Francisco. Confessa não se sentir preparado, mas diz-se confiante.
Disse que encara esta nomeação do Papa Francisco com confiança e humildade. Sente-se preparado para continuar a desenvolver este novo trabalho missionário?
– Não me sinto totalmente preparado. Um sacerdote não se prepara para ser bispo. Pessoalmente não o desejava e também não o esperava. Apenas queria continuar a ser missionário em Moçambique. Por isso, quando no dia 23 de fevereiro, em nome do Papa Francisco, me foi perguntado se aceitava a nomeação para Bispo de Tete, fui apanhado de surpresa.
Estou confiante pois sei que Deus não chama as pessoas habilitadas, Ele habilita-as.
Por outro lado, na minha vida, nunca pedi nada, apenas quis ser missionário. Mas também nunca me esquivei aos desafios e nunca recusei nada quando entendi que era esse o meu dever. Por esta razão aceito com confiança mais esta missão.
Sei que não me faltarão dificuldades, mas tenho a felicidade de ser optimista e de Deus me dar força e vontade para trabalhar. Conto com a minha experiência missionária, que é a essência do que deve ser um pastor, e com a ajuda, o exemplo e a experiência de todos os agentes pastorais que trabalham na diocese de Tete.
Quando soube que tinha sido nomeado bispo, quem foi a primeira pessoa a quem deu a notícia? Porquê?
– Quando me foi comunicada a decisão do Papa Francisco não pude consultar nem informar ninguém pois estava sobre segredo pontifício. Apenas pedi que me deixassem rezar para poder responder no dia seguinte. Durante essas horas procurei encontrar as razões para a escolha e as forças para a aceitar. Recordei-me da devoção do Papa Francisco a “Nossa Senhora Desatadora dos nós”, e pedi-lhe que, com a ajuda das suas mãos, me ajudasse a desatar os obstáculos, de modo a tomar a decisão certa.
O anúncio público da minha nomeação foi feito pelo Bispo de Inhambane no dia 22 de março, aniversário da morte dos catequistas mártires de Guiúa, no Centro Catequético de Guiúa, na minha presença, da equipa missionária e dos catequistas em formação.
O facto de ter sido o primeiro missionário da Consolata português a ser nomeado bispo tem algum significado especial para si?
– Certamente que sim, mas só na medida em que os caminhos da Igreja não conhecem fronteiras. A nossa presença em Portugal está intimamente ligada a Moçambique. Neste país, os missionários da Consolata estão presentes desde 1925, há já quase 100 anos. Logo desde o início sentiu-se a necessidade e incentivar a presença da Consolata em Portugal para favorecer a cooperação missionária e a formação de missionários da Consolata portugueses. Esta necessidade, porém, só chegou em 1944 mas desde então os dois países têm já 75 anos de comunhão e colaboração em prol da Missão, uma história vivida por várias gerações seguidas de Missionários da Consolata, num total de 225 religiosos dos quais 46 são de nacionalidade portuguesa.
É uma feliz coincidência que tenha sido escolhido para bispo de Tete no ano em que os Missionários da Consolata celebram 75 anos de presença em Portugal é uma graça ter podido trabalhar com o povo Moçambicano ao longo de toda a minha vida de missionário e poder continuar a abraçar novos rumos neste país.
Encara esta escolha como o reconhecimento do trabalho que tem desenvolvido, ou como um fruto das sementes lançadas no país, durante décadas, pelos Missionários da Consolata?
– Nesta decisão, estou certo de que a Santa Sé não olhou apenas às minhas qualidades, mas também ao serviço qualificado, persistente e desinteressado dos missionários da Consolata em Moçambique.
Não é um prémio, é uma responsabilidade. É continuar a amar e a servir esta igreja local e o povo moçambicano dos quais somos parte.
A diocese de Tete, que abrange uma área maior do que a de Portugal, foi uma das zonas afetadas pelo ciclone Idai. Tem uma ideia dos estragos e do esforço necessário para devolver a normalidade à região?
– A província de Tete foi a primeira província a ser afetada pelas inundações deste ano, em consequência das fortes chuvas que caíram no início de março. Alguns bairros da periferia da cidade de Tete, na margem esquerda do rio Zambeze, foram inundados pelas águas do rio Ruvubwe, nas proximidades de Moatize, nos dia 7 e 8 de março, antes do ciclone Idai.
O ciclone propriamente dito atingiu a zona sul da diocese, nos distritos de Doa e Mutarara, nos limites das dioceses de Quelimane, Beira e Chimoio.
Houve famílias que perderam as suas casas e os campos de cultivo. O trabalho dos agentes de pastoral e das populações é muito importante para avaliar a dimensão e a duração dos esforços a desenvolver. O Administrador Apostólico de Tete, padre Sandro Faedi, muito se tem preocupado por ajudar as vítimas das inundações em Tete.
Neste momento particularmente difícil para os moçambicanos, que mensagem lhes vai deixar como novo bispo de Tete?
– A minha mensagem não pode deixar de ser de comunhão e solidariedade com todos os afetados por esta enorme catástrofe que se abateu sobre a zona centro de Moçambique. Tive a oportunidade de sobrevoar a região da Beira alguns dias depois do ciclone Idai e das cheias. Uma grande devastação. Muitas pessoas ainda hoje vivem uma situação de sofrimento. Por força das circunstâncias o povo moçambicano é resiliente e está a erguer-se com as suas forças naturalmente, também, graças à ajuda da comunidade internacional que nesta fase tão difícil tem sido fundamental.
O momento que atravessamos tem convocado todos à união, à oração e à ação. A Igreja Católica, que saiu profundamente afetada nas suas comunidades e estruturas, reagiu indo ao encontro dos que estão numa situação de maior sofrimento. As dioceses, através da Caritas, paróquias, congregações religiosas, organizações locais, estão a trabalhar no sentido de dar assistência aos afetados pelas cheias, sendo canal que faz chegar o que recebe a quem mais precisa sem fazer publicidade ou distinção de pessoas.
Que ações pretende desenvolver, enquanto bispo, para a promoção da paz, da liberdade religiosa e do diálogo inter-religioso em Moçambique?
– Não levo para a diocese de Tete um plano pastoral definido. Darei continuidade ao trabalho pastoral que já está em curso e os primeiros tempos serão de escuta e de conhecimento da realidade e dos agentes de pastoral.
No que diz respeito à promoção da paz procurarei acompanhar e apoiar o excelente trabalho realizado pela Conferência Episcopal de Moçambique em favor da reconciliação e da consolidação da paz.
Felizmente, em Moçambique, a liberdade religiosa existe e é respeitada pelo Estado e pelas suas instituições. Em Moçambique existe uma grande pluralidade religiosa que é uma riqueza. Existe também respeito e relacionamento construtivo entre cristãos e muçulmanos e outras religiões. Há um importante trabalho a continuar a nível do diálogo inter-religioso e ecuménico que é benéfico para todos. O que preocupa mais é a proliferação de igrejas e seitas, algumas delas usam o proselitismo para alcançar os seus objetivos.
E para o reforço da evangelização, tendo em conta o surgimento de cada vez mais seitas no país?
– A Diocese de Tete é uma igreja local viva, com muitas potencialidades. Tete é uma das primeiras regiões de Moçambique onde chegaram os arautos do Evangelho, em meados do século XVI. A evangelização tem tido altos e baixos. A diocese de Tete, criada em 1962, é enorme, com uma superfície de 100.724 km2, maior que Portugal, com uma população de 2.764.169 habitantes, sendo os católicos 23 por cento da população total. Existem 28 paróquias/missões, algumas não têm padres nem irmãs residentes. Há regiões com uma forte implantação da Igreja Católica e outras zonas que foram privadas da presença dos missionários católicos durante décadas. Nestas zonas a presença de igrejas e seitas é muito forte.
Dar assistência religiosa às zonas mais periféricas e abandonadas e ao mesmo tempo responder aos desafios pastorais emergentes, sobretudo da pastoral urbana e juvenil e dos novos movimentos religiosos (seitas), são as prioridades da diocese.
Foi ordenado padre no Santuário de Fátima, em 1994. Vai ser ordenado bispo a 12 de maio. É coincidência?
– A minha vocação missionária está estreitamente ligada a Fátima. Leiria-Fátima é a minha diocese de origem. Ali ingressei no Seminário dos Missionários da Consolata em Outubro de 1978, ainda adolescente. Os primeiros anos de formação foram vividos à sombra de Nossa Senhora. Ali fui ordenado há precisamente 25 anos. E dali parti para a Missão e ali regresso sempre com muito gosto e saudade.
É o postulador da causa para a beatificação dos catequistas mártires do Guiúa, que poderão vir a ser os primeiros beatos do país. Vai manter-se como postulador?
– Sim, vou continuar como postulador. No passado dia 23 de Março, em Guiúa, houve a sessão de enceramento do processo diocesano para a causa de beatificação dos Servos de Deus Luísa Mafo e Companheiros, catequistas mártires. Foi a conclusão de um longo trabalho de investigação sobre as causas da morte dos catequistas e da fama de martírio. A documentação recolhida já foi enviada para Roma para a avaliação da Igreja. Nesta fase, a fase romana junto da Congregação para a Causa dos Santos, é necessário preparar a positio “Positio super martyrio”, na qua deve ser ilustrado e demonstrado, mediante um aparato probatório tirado do depoimento das testemunhas interrogadas durante a fase diocesana, o elemento formal e aquele material do martírio.
Texto: AB / FP
Foto: João Nascimento