Padre Manuel Magalhães celebra bodas de prata sacerdotais

Com os pais no dia do envio missionário para Moçambique

Manuel Magalhães é sacerdote Missionário da Consolata, e foi ordenado na Igreja Paroquial de Ermesinde a 25 de setembro de 1999. Manuel é natural do Porto, tem 53 anos, e foi ordenado aos 28. Em entrevista à FÁTIMA MISSIONÁRIA, o padre Manuel recorda as vivências que a vida missionária lhe tem proporcionado.

 

O padre Manuel Magalhães nasceu dia 5 de agosto de 1971 em Ermesinde. Como conheceu os Missionários da Consolata?

Apesar de nascer em Ermesinde, apenas tive conhecimento dos Missionários da Consolata no quinto ano, quando eles foram à escola fazer animação vocacional. Tinha 11 anos, e depois de alguns estágios animados entrei em 1983 no Seminário de Ermesinde, hoje de Águas Santas. Segui o caminho formativo normal, passando pelos seminários de Fátima, Abrantes e Cacém. Já em 1992 fui para Vittorio Veneto, em Itália, para fazer o noviciado que culminou com a primeira profissão religiosa. Continuei os estudos de Teologia e Teologia Bíblica em Roma. Em 1997 fiz a Profissão Perpétua e em 1999 a ordenação sacerdotal.

 

No dia da ordenação sacerdotal

Que memórias guarda do dia da sua ordenação sacerdotal?

A ordenação foi na Igreja de Ermesinde, a mesma onde fui batizado e fiz a primeira comunhão e comunhão solene. O bispo ordenante foi Armindo Coelho, então bispo do Porto, e foi também ordenado Domingos Forte, também ele sacerdote Missionário da Consolata. Recordo que a igreja estava cheia, pois não era muito comum poder assistir a uma ordenação. Geralmente celebram-se na Sé e, por isso, com um número restrito de gente. Muitos ficaram admirados pois achavam que se tratava de uma missa normal, mas depois ficaram impressionados com toda a cerimónia. Tudo estava muito bem preparado. Senti que apesar de não me encontrar há tantos em Portugal, fui muito bem acolhido e todos participaram com alegria nessa festa. No dia seguinte, foi a primeira missa e foram muitos os que ajudaram e participaram para que fosse realmente um dia cheio de significado.

 

Na missão de Vilanculos

Como decorreu o seu trabalho missionário em Moçambique?

Fui para Moçambique em agosto de 2000. Alguns meses antes, o país tinha sido devastado por vários ciclones que provocaram grandes cheias e que resultaram em centenas de mortos e milhares de refugiados. Nunca esquecemos as pessoas penduradas nas árvores, e até uma mãe que, em cima da árvore, deu à luz a sua menina.

 

Quando cheguei tive a sorte de viajar por todas as nossas missões, e pude ver ainda muita destruição. A palavra calamidade, na boca de toda a gente, designava a realidade na qual a maioria dos moçambicanos vivia. Apesar de ter como destino a paróquia da Machava, em Maputo, tive a sorte de viver primeiro alguns meses em Massinga, Inhambane. Foi a minha primeira experiência missionária numa realidade completamente nova para mim: outra cultura, língua, meio social e, sobretudo, uma igreja com características muito diferentes das que estava habituado. Devo dizer que esta experiência marcou e determinou muito a minha forma de ser missionário, aprendi muito com os exemplos dos padres Artur Marques e Alceu Agarez.

 

Na Machava, comecei a trabalhar na Rádio Maria. Não me sentia muito à vontade em fazer uma coisa para a qual nunca me tinha preparado, mas percebi logo que não é o missionário quem escolhe a missão mas é escolhido, e nem sempre as razões dessa escolha são claras para nós. Quando começava a sentir mais confiança, o superior de Moçambique, então o padre Artur, pediu que fosse para a Missão de Vilanculos, onde assumi as missões de Vilanculos e Mapinhane. Os meus colegas de missão foram quase sempre leigos. Descobri estas missões com a colaboração dos Leigos Missionários da Consolata e dos catequistas das 90 comunidades cristãs que visitava frequentemente. Em 2007, o superior pediu-me para partir para outra realidade ainda mais desafiadora. Fui para o Niassa, primeiro Cuamba e depois Mecanhelas. Novamente tudo era diferente. Foi assim que percebi quanto é difícil para o missionário deixar o que ele considera como fruto do seu esforço e dedicação. É fundamental amar a missão, as pessoas, as comunidades, as atividades, os colaboradores. De outra forma, não poderias entregar a tua vida, mas não te deves apegar a ela como se te pertencesse, como se fosse tua propriedade. Trata-se apenas de ser um simples trabalhador da grande Messe do Senhor.

 

Nos últimos seis anos em que estive em Moçambique voltei à Missão de Massinga. Além de acompanhar as comunidades no seu crescimento, dava-se particular atenção à formação dos catequistas locais e colaborei também em várias publicações na língua local como catecismos e missais. Até fui professor de informática para os jovens.

 

Nunca gostei muito de dizer que as pessoas são pobres. Têm é maior dificuldade em certos aspetos da vida como noutros tem muita maior facilidade. No aspeto económico, há muitas dificuldades a começar logo pela natureza que tantas vezes é desfavorável. Nos anos logo a seguir às cheias havia escassez de tudo até porque se seguiu um longo período de seca. Foi mesmo preciso organizar a distribuição de alimentos pelas comunidades. Era necessário reconstruir hospitais, centros de saúde, escolas mas também as capelas. Muitas destas tinham também cisterna para recolher a água da chuva. Algumas funcionavam também como pré-escola, para ajudar as crianças a aprender português e a ter uma refeição. Nestes locais as missões não são apenas centros de evangelização, mas também fazem toda a diferença sobretudo no campo da educação, formação e saúde.

 

Perante a realidade que encontrou em Moçambique, que tipo de missionário procurou ser?

Sempre tive o cuidado de respeitar o trabalho que os missionários foram fazendo ao longo de anos. É importante saber ouvir e descobrir as riquezas daquela igreja e não medi-la pela nossa ‘bitola romana’. Eles próprios descobrirão como dar vida à mensagem do evangelho à luz da sua própria realidade. Sempre fui contrário em impor “a nossa fé” ou o nosso modo de fazer ou celebrar. Acho que é muito importante saber acolher e valorizar tudo o que dá vida às comunidades, pois acredito que é essa a ação do Espírito que vale muito mais do que todas as nossas. Tive também o cuidado com os meus colegas de missão em cultivar nas comunidades o sentido de pertença e colaboração dos membros nas suas próprias comunidades. A vida na comunidade não depende do padre ou do pároco, mas sim de cada membro da comunidade a começar pelo catequista responsável até àquele que põe os tambores ao sol para rufarem bem.

 

O que mais o impressionou em Moçambique?

Quase sempre quando falo com alguém que foi a Moçambique me diz que as pessoas lá são diferentes. Têm um carácter pacífico, bondoso e acolhedor. Sempre experimentei isso e sempre me senti em paz e liberdade como se estivesse no meu país. Felizmente nunca tive situações de guerra. Foi um tempo de verdadeira paz. Fiquei impressionado com a capacidade de reconciliação entre todos para assegurar e manter a paz e, para isso, muito contribuiu a Igreja Católica mas também as outras religiões.

 

Quais são as recordações mais belas que tem da sua vida missionária?

O que recordo de mais belo são as visitas às comunidades. É o que me deixa mais saudades. As celebrações eram sempre momentos especiais, quer fossem na igreja matriz, na palhotinha ou debaixo da árvore. Confissões, batismos, comunhões, crismas, matrimónios, mas também a unção aos doentes e às vezes alguns funerais. São verdadeiros momentos de encher o coração e o espírito de vida e esperança. Há também aquelas situações às vezes tão difíceis, em que no final te dás conta de que foste o bom samaritano na vida de alguém, sobretudo quando se trata de crianças.

 

O que significam os 25 anos de sacerdócio para si?

É uma ocasião para dar graças. Agradecer a Deus, ao Senhor da Messe, que me escolheu e, sobretudo, que sempre esteve lá para me orientar, acompanhar e encorajar.

 

Agradecer por todas as experiências vividas, mas, sobretudo, pelas pessoas que colocou ao meu lado e que fizeram e fazem parte da minha vida. Agradecer porque posso também dizer, com toda a certeza, que o Senhor faz maravilhas na vida de todos nós.

 

Mais do que nunca, e enquanto administrador dos Missionários da Consolata em Portugal, sou levado a sentir a missão mesmo como um serviço. Gosto de pensar que é uma oferta ou uma entrega, e que não tenho de esperar nada em troca. Quantas vezes em missão fiz esse gesto, sabendo que era a fundo perdido! Mas sei que no fundo, recebi e recebo 100 vezes mais, já neste tempo.