Padre António Bianchi (1922-2024): “Esta foi a vida que escolhi viver. Sempre fui feliz!”
Descrito como um missionário apaixonado e vivaz, o Padre Antonio Bianchi, Missionário da Consolata (IMC), faleceu em Nairobi, Quénia, no domingo, dia 14 de abril de 2024. Também missionou em Portugal.
Nascido a 13 de junho de 1922 em Verbania, no dia da festa de Santo António de Pádua, nas margens do Lago Maggiore, a noroeste de Milão, o padre Bianchi era o mais velho Missionário da Consolata no mundo, tendo atingido 101 anos de idade, dos quais 82 anos de profissão religiosa e 78 anos de sacerdócio.
De acordo com o padre Peter Makau, Superior dos Missionários da Consolata da Região Quénia/Uganda, o padre Bianchi sofria de uma ligeira infeção pulmonar e, dada a sua idade avançada, faleceu por volta das 14h20, depois de ter almoçado.
Numa entrevista concedida ao CISA(Serviço Católico de Informação para África) em 2023, a propósito da celebração do seu 101º aniversário, padre Bianchi, que entrou para o Instituto há 84 anos, disse: “Não sabia, há 83 anos, que iria encontrar tantas pessoas à minha volta para celebrar uma vida que escolhi viver. Tinha 17 anos quando entrei para os Missionários da Consolata. Agora os meus ossos estão fracos, mas sempre fui feliz. Encontrei superiores muito compreensivos e colaborantes, que me apoiaram nas minhas fraquezas”.
O padre Bianchi foi ordenado sacerdote a 15 de agosto de 1945 em Rosignano, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Foi imediatamente enviado para Portugal, onde chegou em setembro de 1946 como um dos primeiros missionários da Consolata a trabalhar no nosso país.
Castanheira. De pároco a fundador de um clube para a juventude
Ao chegar a Portugal foi destinado a Fátima, onde colaborou na formação de futuros missionários. Mas pouco tempo depois foi nomeado pároco da Paróquia de Castanheira do Ribatejo, no concelho de Vila Franca de Xira, servindo aquela porção do povo de Deus de 5 de outubro de 1946 a 13 de dezembro de 1954. A paróquia, situada numa zona bastante descristianizada, estava há vários anos sem pároco residente.
Reza a história que os Missionários da Consolata foram bem acolhidos pela população e que a Junta de Freguesia de Castanheira do Ribatejo tinha mesmo decidido dedicar uma rua da vila ao padre Bianchi. Em 13 de junho de 1949 (precisamente no dia do seu aniversário), fundou o Clube Juventude de Castanheira, uma associação desportiva, cultural e recreativa. Em 2019 – quando esta associação completou 70 anos – escreveram sobre ele: “O padre Bianchi, com grande espírito de missão, trouxe à nossa terra solidariedade, alegria de conviver, união, satisfação de realizar-se e respeito pelo próximo. São valores que queremos ver voltar a renascer através das atividades que desenvolvermos.”
Apenas souberam do seu falecimento, o Juventude da Castanheira, por ele fundado, publicou um lindo texto na sua página do Facebook. Começam por lamentar a triste noticia “que nos entristece profundamente”, para logo em seguida sublinhar que “o espírito incansável e inspirador do padre António Bianchi sempre esteve presente em cada jogo, em cada vitória, em cada derrota, em cada desafio, e o seu legado ecoará para além do nosso complexo desportivo, permanecendo nos nossos corações”.
Depois, prosseguem: “Que, quando nos reunirmos para comemorar os 75 anos da nossa equipa daqui a poucos meses [13 de junho 2024], o façamos em memória do nosso querido fundador, honrando o seu legado duradouro. Que o espírito do Padre António Bianchi continue a guiar-nos, inspirando-nos a alcançar novos feitos e a manter viva a paixão pelo desporto na nossa comunidade e da nossa terra.”
E terminam o texto desejando “que o seu espírito continue a iluminar o nosso caminho enquanto continuamos a jornada que ele iniciou há quase 75 anos”.
Damos nota ainda do testemunho de uma paroquiana da Castanheira: “Lembro-me perfeitamente dele. Era um padre muito à frente do seu tempo. A Castanheira teve sorte!”
A missão no Quénia
O padre Bianchi tinha chegado ao Quénia em 1955, com 33 anos, durante a luta pela independência. Passou a maior parte da sua vida missionária neste país africano, trabalhando em várias missões e dedicando-se sobretudo ao trabalho pastoral e à evangelização. Foi inicialmente destinado a Ngandu-Murang’a, hoje diocese, mas na altura terreno favorável aos combatentes Mau Mau; mais tarde, foi transferido para Ichagaki, também na diocese de Murang’a.
“Era um sítio muito bonito, com montanhas e planícies. Havia muitas pessoas de diferentes grupos étnicos que se misturavam e viviam juntas naturalmente. Andámos por lá para ver as pessoas e enfrentar os desafios. Gostei muito”, recorda o Padre Bianchi, em 2023.
Em 1956, regressou a Ngandu, onde o seu maior contributo foi a educação das raparigas, que tinha sido ignorada. Trabalhou aí durante três anos e com “uma pequena contribuição” viu ser criada uma escola secundária para raparigas, a atual “Bishop Gatimu Ngandu Girls High School“.
Bem versado na língua Kikuyu e com uma memória refinada, o terno missionário italiano revelou que o seu conhecimento da língua local Agikuyu lhe permitiu concentrar-se melhor no trabalho pastoral no centro do Quénia: a paróquia de Rumuruti na diocese de Nyahururu e a paróquia de Makima na diocese de Embu.
“Um padre é assim porque cresce com o seu povo. Não apenas as orações ou as actividades religiosas, mas todos os gestos contribuem para aperfeiçoar a vida do povo…. O Quénia tem prosperado ao longo dos anos apesar dos desafios do tribalismo e da corrupção. Exorto os quenianos a não se agarrarem a estes constrangimentos privados, mas a concentrarem-se em questões que afetam as pessoas nas comunidades. Apoiem as escolas e construam mais colégios e universidades”, disse na altura.
O padre Peter Makau elogiou o padre Bianchi como um grande missionário, com um coração para as pessoas e para a Mãe Terra, um religioso que sempre encorajou os seus irmãos a serem felizes apesar dos desafios da vida.
Vale a pena mencionar que o padre Bianchi foi também uma figura importante para Rosignano, a sua cidade natal em Itália, da qual se tornou cidadão honorário em 2005, “pela sua vocação e empenho nas missões religiosas e no apoio aos mais pobres do mundo”, como se afirma no discurso de atribuição do título.
Testemunha do Ressuscitado
No dia do seu centenário, recordando os anos passados em Portugal, confessou que amava muito este país, que era particularmente devoto de Nossa Senhora de Fátima e que não esquecia todo o afeto e graças que recebera no nosso país, particularmente dos seus paroquianos de Castanheira do Ribatejo e do clube Juventude de Castanheira.
Morreu dois meses antes de completar 102 anos, precisamente no terceiro domingo de Páscoa, dia em que o Evangelho nos convidava a testemunhar Cristo vivo, Cristo ressuscitado. Esta foi, sem dúvida, a sua vida missionária e apostólica. Viveu a sua vocação de forma exemplar, dando tudo por Jesus e pelo Evangelho. Que descanse em paz, nos braços do bom Deus, que ele tanto amou e serviu.
Texto: Albino Brás, missionário da Consolata, em Portugal, com Paschal Norbert, jornalista do Catholic Information Service for Africa (CISA), em Nairobi, Quénia.