6 de março de 2022
Dt 26, 4-10; Rm 10, 8-13; Lc 4, 1-13
Não se vive só de pão
1. “Nem só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”. Ninguém duvida que os tempos são difíceis. Que há problemas de toda a ordem a enfrentar na nossa humanidade. Que há situações mundiais e nacionais que parecem insolúveis. Olhemos para o que se passa na Europa de leste. E cada qual conhece a sua situação pessoal agravada por problemas de imediata acuidade. Mas não estará porventura ao nosso alcance a chave para resolver tais dificuldades, coletivas e pessoais?
2. A Quaresma é um tempo propício para nos agarrarmos ao essencial. Tempo de conversão pessoal e social. Tempo de confiança ilimitada naquele Deus que conhece a nossa vida. A sua Palavra é clara e desconcertante: “Dai e dar-se-vos-á”. “Recebestes de graça, dai de graça”. “Tendo, com efeito, recebido a vida gratuitamente, devemos por nossa vez doá-la de modo gratuito aos irmãos”, dizia o grande Papa São João Paulo II.
Há quem gaste a vida à procura do pão, isto é, dos bens materiais, tentando acumular para si mesmo. Nem só de pão vive o homem. Os nossos anseios são muito mais profundos. “Procurai antes de mais o que se refere ao Reino de Deus – diz o Senhor – que nada vos faltará”. Valores como a gratuidade no serviço, a partilha dos nossos bens materiais e espirituais, a vivência da Palavra de Deus, a solicitude quotidiana pelos outros, estejam eles dentro ou fora dos nossos muros, são mais do que nunca necessários para tornar o mundo mais feliz. Ou se parte daqui ou não se chega a lado nenhum. Não entra no Reino de Deus a tacanhez do nosso individualismo.
3. Mas sejamos otimistas. O mundo não vai tão mal como às vezes parece. Fico abismado com o grande número de pessoas que gratuitamente dão parte ou a totalidade do seu tempo para o serviço dos outros. São mais do que imaginamos. Não me refiro apenas aos milhares de missionários espalhados pelo mundo, mas também e sobretudo aos milhões de voluntários do bem-fazer espalhados por toda a parte. Veja-se, por exemplo, a onda de solidariedade gerada à volta do problema da guerra na Ucrânia. O mundo necessita deste testemunho de gratuidade e de doação. Essas pessoas vivem o Evangelho, dentro ou fora da Igreja.
4. Vamos também nós nesta Quaresma tomar a sério o Evangelho. Nutramo-nos diariamente da Palavra de Deus, que nos faz crescer como pessoas e gera dentro de nós atitudes de amor, perdão e doação. Quem come o pão da Palavra, abre-se necessariamente a Deus e aos outros. E basta mesmo uma só Palavra, que é sempre o concentrado de todo o Evangelho, para iluminar e transformar a nossa vida.
Numa atitude de confiança no Deus a quem chamamos Pai, deixemos de girar à nossa volta, pensando só em nós, na nossa vida, no nosso trabalho, na nossa saúde, no pão que temos de ganhar ou na melhor maneira de amealhar. Causa vertigens e podemos cair. Deus nunca se deixa vencer em generosidade. Se dás mil, Ele retribuirá com dois mil. Em nenhum banco deste mundo se recebem juros tão altos. Mas não se trata só de dinheiro, mas sim de valores humanos e espirituais que, postos ao serviço dos outros rendem cem por cento. Trata-se da nossa vida que não podemos enterrar no nosso quintal. Acumulemos tesouros no Céu. Sempre, mas sobretudo neste tempo sagrado da Quaresma. Em atitude de missão vivida com gratuidade.
Darci Vilarinho