Caros Missionários, parentes, amigos e benfeitores,
há vários meses que estamos a viver o período mais devastador da nossa história, atacado por este inimigo desconhecido, muito pequeno, escondido: o coronavírus. E, enquanto todos nos esforçamos por obedecer às ordens dos governos que, aconselhados pelos cientistas, tentam conter o flagelo, a preocupação aumenta e, às vezes, torna-se medo. Estamos preocupados com a nossa comunidade, a nossa família, a comunidade missionária em que vivemos, os nossos amigos, e certamente com nós mesmos. Agora estamos preocupados com a Itália e com a Europa, mas pensemos também no que vai acontecer em breve, quando este vírus mortal se espalhar por outros países, por outros continentes. Todos nos perguntamos, o que será de nós? O que será das nossas vidas? Que futuro nos espera? Estas e outras questões crescem dentro de nós nestes dias e não temos resposta.
A emergência causada pelo vírus mortal, que se espalha e infeta por todo o lado e todos em todo o mundo, gera uma situação completamente nova que mesmo no caso de terramotos, ou conflitos nunca tinha sido experimentada. Na guerra pode-se salvar fugindo, descendo para os refúgios, mas com o vírus isso não é possível, não há vias de fuga, e a única defesa é impedi-lo de se espalhar, através da restrição dos comportamentos normais, evitando o máximo possível qualquer contacto entre indivíduos. Se durante a guerra as pessoas encontravam conforto indo rezar à igreja, agora com o vírus não se pode; as igrejas permanecem fechadas porque de outra forma tornam-se lugares privilegiados de contágio.
Desta forma, o nosso bizarro isolamento liga-nos não só às pessoas com quem o partilhamos materialmente, mas também a outros, outros estranhos e irmãos ao mesmo tempo. A tremenda lição do vírus obriga-nos entrar à força pela estreita porta da irmandade universal. Neste estranho e surreal isolamento estabelecemos uma ligação sem precedentes com a vida do irmão desconhecido e com a vida mais ampla do mundo, sentimo-nos verdadeiramente missionários. Sem dúvida que o que é mau continua a ser mau e o que é emergência continua a ser emergência. Mas mesmo um facto doloroso e muito negativo assume um valor diferente nas nossas vidas pela forma como o vivemos, escolhemos vivê-lo e, como crentes, tentamos compreender como atravessá-lo à luz da Palavra de Deus. Assim, mesmo o tempo do Covid-19 se pode tornar numa oportunidade para redescobrir alguns aspetos da nossa fé, ao mesmo tempo que a Quaresma que estamos vivendo nos pode ensinar a atravessar o difícil deserto do coronavírus.
Os quarenta da Quaresma têm algo a dizer à quarentena do vírus. A Igreja, na sua história de dois mil anos, para este tempo litúrgico, sempre indicou “remédios”, “medicamentos” para atravessar o deserto da Quaresma e chegar, renovados e “curados” das nossas feridas, à celebração vitoriosa da Páscoa: ouvir a Palavra e a oração, o jejum, a caridade. Não poderiam ser também estes “medicamentos” quaresmais a indicar-nos como viver este momento difícil até para a fé. Em vez de protestarmos contra a suspensão razoável e devida das celebrações públicas, para o nosso bem e dos outros, não poderíamos “tirar o pó” a algumas práticas que nos vêm da sábia tradição cristã? Talvez assim a quarentena possa dizer algo aos nossos quarenta e “obrigar-nos”, como muitas vezes acontece quando estamos necessariamente reduzidos ao essencial, a redescobrir alguns elementos fundamentais da fé.
Para concluir, gostaria de recordar a todos nós alguns pontos-chave e convidar-nos a respeitá- los integralmente com empenho e amor.
1. Respeito e aplicação total de todas as regras que vêm dos nossos governos e da Igreja oficial: lavar as mãos várias vezes ao dia, não gerar ajuntamentos, não sair de casa, rezar respeitando a distância permitida entre as pessoas…
2. Usar bem o tempo, não o desperdiçar. Aproveitar este tempo para o dedicar a algo útil e importante para nós.
3. Rezar por todos, rezar muito, ajudados pela Palavra de Deus que neste tempo de Quaresma é particularmente significativa.
4. Ser solidário com os outros, de perto e de longe. Não podendo encontrar-nos concretamente, podemos estar perto dos outros com mensagens de texto, com a oração, com a disponibilidade para pequenos serviços possíveis.
5. Cuidar melhor de nós, para o nosso próprio bem e para o bem dos outros.
6. Pensar aos idosos fazendo tudo o que é possível para os proteger e proteger os que estão mais vulneráveis neste momento.
7. Amar o outro significa defendê-lo, respeitá-lo, protegê-lo. O amor no tempo do coronavírus significa atenção aos que não têm nenhum título e são mais pobres.
8. Repor ordem nas nossas vidas, na nossa escala de valores para descobrir o que realmente importa.
9. Lembrar-se de restabelecer a ligação com a Terra e o ecossistema: só respeitando o seu equilíbrio seremos respeitados e seremos preservados.
10. Não se esquecer de que estamos ligados realmente e não só na rede, as fronteiras não existem e estamos todos no mesmo barco.
Caríssimos, para já, tendo em conta a informação recebida, temos uma comunidade infetada pelo vírus e em quarentena: é a comunidade de Biella onde vivem três missionários da Consolata com cinco hospedes. Certamente os pensamentos e orações vão para eles e para todos os membros da nossa família Consolata que foram afetados pelo vírus ou têm medo que chegue devastador. Os nossos pensamentos e orações vão também para os nossos missionários e para as nossas comunidades que vivem em continentes pobres e países menos estruturados nos cuidados de saúde. É hora de estar longe um do outro fisicamente, mas como nunca perto com o coração. É altura de nos preocuparmos com todos, é hora da consolação. Que São José seja e nos torne protetores de todos!
Coragem e avanti in Domino!
Roma, 19 de março de 2020, festa de São José!
Padre Stefano Camerlengo, IMC