A irmã Eugenia Bonetti, missionária da Consolata e presidente da Associação “Slaves no more” (escravos nunca mais), disse ao site Vatican News que acolheu o convite do Papa Francisco para redigir os textos das estações da Via-sacra da Sexta-feira Santa no Coliseu de Roma, primeiro com algum “constrangimento”, e depois, como uma “grande oportunidade”, não para si mas para dar visibilidade ao problema do tráfico humano, dando voz “às muitas pessoas que em tantos anos conhecemos e estamos a ajudar”, naquilo que ela considera um autêntico “calvário”, e que tem sido motivo de “muita indiferença” por parte da sociedade. “Já não conseguimos ver as pessoas por detrás dos problemas”, lamenta.
Com os textos que vai escrever para as estações da Via-sacra no Coliseu, que será presidida por Francisco no dia 19 de abril, e com o trabalho da Associação “Slaves no more” por si fundada, a irmã Eugénia pretende dar maior visibilidade a este drama e, sobretudo, “quebrar os elos desta cadeia de exploração” de quem deixou o seu país “em busca de uma vida melhor” e encontra o “calvário” na Europa.
Do Quénia para a Itália
A irmã Eugenia, agora com 80 anos de idade, passou 24 anos da sua vida missionária em África, no Quénia, mas confessa que “a missão mais dura, mais humilhante e mais ardente” da sua vida tem sido vivida no seu próprio país, a Itália, para onde voltou nos anos 90. Apesar de ser um país católico, “é um país” – diz – com “grandes carências humanas” e, por vezes, incapaz de “ver o sofrimento dos outros”. “Cristo sofre ainda hoje nas ruas das nossas cidades”, lamenta.
Na Itália, mais especificamente em Turim, a irmã Eugenia começou a fazer trabalho pastoral num centro de Escuta e Acolhimento da Cáritas de Turim, com mulheres imigrantes, a maioria nigerinas, vitimas de tráfico humano, um dos maiores flagelos dos nossos dias. Desde o ano 2000 esta missionária da Consolata é a responsável do centro de Vitimas de Tráfico, da União dos Superiores Maiores Italianos (USMI), coordenando uma rede de cerca de 70 congregações, que trabalham em mais de 100 lares de acolhimento.
Pelo trabalho desenvolvido nesta causa social, o Presidente da República Italiana Carlo Azeglio Ciampi nomeou a irmã Eugenia, em 2004, Comendadora da República Italiana.
Entretanto, Eugenia Bonetti escreveu, com Anna Pozzi, o livro Schiave (Escravas), traduzido e publicado também em Portugal pelas edições Paulinas, com o título “Quebrar as cadeias”.
Entre os anos 2004 e 2007, com ajuda financeira dos Estados Unidos da Améria, organiza e coordena cursos de formação nos países onde o fenómeno do tráfico humano atinge níveis mais preocupantes. E em janeiro de 2005, teve a oportunidade de apresentar um relatório alternativo de ONG’s às Nações Unidas, sobre a “Situação das mulheres imigrantes ‘importadas’ na Itália para exploração sexual”.
Um trabalho em rede
O Papa Francisco conheceu-a no mesmo ano em que assumiu o seu pontificado, e a irmão Eugenia sugeriu-lhe que o dia 8 de fevereiro, dia da festa de Santa Josephine Bakhita, fosse proclamado Dia Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Seres Humanos. Francisco acolheu a ideia, e a data que passou a ser comemorada a partir do ano 2015.
A irmã Eugenia é, desde há 20 anos, presidente da Associação ‘Slaves no more Onlus’, criada a 29 de dezembro de 2012, em Roma. por iniciativa de religiosas e leigos que já abraçavam esta causa no seu dia-a-dia. A objetivo principal é o de lutar contra o tráfico de seres humanos, da violência contra as mulheres, e a de salvaguardar a vida das vitimas. Contam-se já aos milhares as vitimas, sobretudo imigrantes, já resgatadas através do trabalho desta associação de voluntários, que trabalha em rede com muitas outras organizações da Igreja e da sociedade civil, tanto na Itália, como no estrangeiro.
Albino Brás