O padre Diamantino Antunes, atual superior regional dos Missionários da Consolata em Moçambique, deixa o seu testemunho sobre a figura do padre Adelino da Conceição Francisco (1941-2019), missionário durante décadas em Moçambique, e que nos deixou no passado dia 2 de fevereiro.
O Padre Adelino da Conceição Francisco, missionário da Consolata português, faleceu no passado dia 2 de fevereiro, em Fátima. Evoco a sua memória e testemunho porque foi para mim fonte de inspiração enquanto missionário exemplar e totalmente dedicado a Deus e aos outros, durante 40 anos de missão em Moçambique.
Conheci o padre Adelino em Fátima em fevereiro de 1983 depois da sua libertação do cativeiro da guerrilha moçambicana. Eu era então um seminarista adolescente e fiquei impressionado pelo testemunho que nos deu da sua dura e perigosa experiência nas mãos da guerrilha. Me impressionou duas coisas: o facto de que não guardava ressentimento por aqueles que o tinham feito muito sofrer; por outro lado a sua vontade de voltar a Moçambique, um país em guerra, onde faltava tudo, e onde tinha passado maus momentos.
A experiência do rapto provou a sua fé, no sentido positivo, e marcou-o na alma e no corpo. Vale a pena recordar este episódio.
Durante a terrível guerra civil que assolou Moçambique entre 1976 e 1992, os guerrilheiros da Renamo, que combatiam o regime marxista-leninista do partido Frelimo, serviram-se do sequestro de estrangeiros para chamar sobre si a atenção da opinião pública internacional. Depois do rapto de alguns cooperantes, chegou a vez dos missionários. O primeiro grupo de religiosos sequestrados em Moçambique era constituído por missionários da Consolata que trabalhavam na diocese de Inhambane.
O padre Adelino, com as missionárias da Consolata trabalhava então na Missão de Muvamba, na diocese de Inhambane. Estavam conscientes do perigo que corriam, porque os guerrilheiros estavam infiltrando-se na região. Mas, preferiram ficar com o povo, sofrer com ele, em vez de se retirarem para um lugar mais seguro.
Assim, numa bela manhã de 16 de setembro de 1982, um grupo de guerrilheiros entra na missão de Muvamba. O padre Adelino, vestido de fato macaco, estava a mudar o óleo e os filtros do Land Rover da Missão. Obrigaram-no a segui-los assim tal como estava, sem levar nada consigo. O mesmo aconteceu às Irmãs da Consolata que trabalhavam na missão. Caminharam longos dias por zonas desérticas do interior de Inhambane, onde sofreram fome e sede.
Sobre esta experiência, escreveu o Padre Adelino no seu diário: “De manhã cedo acordávamos ao grito das palavras de ordem que nos acompanhariam durante toda a caminhada: “Acordar-Preparar-Avançar”. Caminhámos em seguida interruptamente durante dias até mais não poder. No silêncio do mato a mãe natureza acompanhava o nosso tão estranho peregrinar e só Deus encorajava os nossos corações amedrontados. Tivemos que amarrar panos nos pés, pois o único calçado que levávamos nos pés não era o apropriado para caminhar na floresta e além disso ia desaparecendo aos bocadinhos. Às dificuldades lógicas da alimentação, do alojamento, dos carreiros no mato, do sol do dia e do frio da noite e das feridas nos pés, precisa acrescentar a maior de todas: a sede!
…O único conforto da jornada era a Hora de Oração que tínhamos todos os dias perante a impossibilidade de celebrar a Eucaristia. Era tempo de reflexão, tempo de partilha espiritual, tempo de descobrir esperança. Estávamos privados completamente de todo o sinal litúrgico: nem pão, nem vinho, nem livros, nem vestes sagradas.”
O calvário durou até à noite de 25 de novembro de 1982, altura em que foram libertados na fronteira com o Zimbabwe, depois de terem caminhado mil e duzentos quilómetros a pé, atrás dos guerrilheiros, totalmente percorridos em ziguezague pelo meio do mato, alimentando-se como melhor puderam.
O padre Adelino era um homem de uma fé simples e profunda. Fiel à oração diária, um contemplativo na ação. Tinha forte sensibilidade pastoral. Sempre disponível para visitar e acompanhar as comunidades cristãs e nelas lançar a Palavra de Deus.
Foi heroico durante a guerra civil em Moçambique (1982-1992), sobretudo nos anos em que foi pároco na missão de Massinga, Muvamba e Funhalouro e enfrentava todos os riscos (ataques e minas anti-carro) para celebrar a Missa nas comunidades. Não olhava aos perigos. Não tinha medo da morte.
Em 2013, por sérios problemas de saúde, o Padre Adelino teve que deixar Moçambique e regressar definitivamente a Portugal. Foram anos de sofrimento físico, vividos com fé e serenidade.
A sua vida foi transformada e transfigurada pelo amor infinito de Deus a quem agora pertence totalmente e com o qual ampara e protege aqueles que ainda por aqui peregrinamos.
P. Diamantino Antunes, imc