Simona Brambilla: “Leonella acolheu o seu martírio com lucidez e amor”

No dia 8 de novembro de 2017 o Papa Francisco autorizou a promulgação do decreto sobre o martírio da irmã Leonella Sgorbati, missionária da Consolata, abrindo portas à sua beatificação, que vai ter lugar a 26 de maio 2018, em Placência, Itália. A propósito, entrevistamos a irmã Simona Brambilla, superiora-geral das Missionárias da Consolata

Como é que a sua congregação vê a beatificação da irmã Leonella?

Com grande alegria. É a confirmação da autenticidade do carisma que nos foi transmitido pelo Fundador, o Beato Allamano, que desejava que entre os seus filhos e filhas, o Senhor escolhesse algum ou alguma como mártir de Cristo.

É possível traçar um perfil espiritual e missionário da irmã Leonella?

Sim, lendo os seus diários, e não só, dá para seguir o desenvolvimento da sua personalidade espiritual. Notamos um progressivo crescimento da sua união com Cristo, uma experiência profundamente eucarística, que a leva a sentir-se e a ser uma só, até estar pronta para derramar com Ele o seu sangue. Quando Leonella partiu para a Somália, após um mês sabático na Itália, em 2006, ela estava ciente do seu chamamento ao martírio, e acolheu-o com lucidez e amor. Caracteriza-a esta doação até ao fim, ou seja, a total entrega de si a Deus, até doar a própria vida. Ela lembra-nos a razão da nossa fundação: ser e viver entre os não-cristãos.

Como interpreta as últimas palavras pronunciadas pela irmã Leonella no momento da sua morte, a 17 de setembro de 2006, em Mogadiscio, na Somália?

São três palavras que resumem o evangelho. É impressionante notar que Leonella recebe sete balas, sete feridas de arma de fogo, e responde com três palavras: “perdão, perdão, perdão”. Assim, Leonella quebra o círculo da violência e extingue a força bruta daquelas balas mortais, pronunciando palavras de vida, palavras imortais.

A celebração da Beatificação da irmã Leonella vai ser em Placência. Algum motivo especial? Quem vai presidir?

Placência é a diocese onde a irmã Leonella nasceu, uma diocese vibrante que acompanhou sempre com grande interesse e compromisso a vida missionária de Leonella e o processo da sua Causa de Beatificação. Celebrar ali a sua beatificação também representa uma ocasião para animar missionariamente aquela Diocese. O Cardeal Amato, Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, presidirá a celebração.

“É fácil termos medo uns dos outros, mas quando existe medo não resta lugar para o amor”, disse um dia a irmã Leonella,. Terá sido esta atitude destemida que a levou a abraçar a missão na Somália, sabendo dos perigos que corria?

Esta atitude provém do carisma que ela encarnava na sua vida de uma forma viva e vibrante. É a força deste carisma missionário, de saber-se enviada por Cristo a quem não O conhece, que leva Leonella até à Somália, pondo em risco a própria vida.

Depois da irmã Beata Irene Stefani, agora também a irmã Leonella passa a ser venerada na Igreja. As Missionárias da Consolata têm duas intercessoras que são também inspiradoras da missão. Deixe-nos algumas palavras também sobre a Beata Irene.

A Beata Irene partilha com a irmã Leonella a doação total de si mesmas a Deus até ao fim. E ambas nos remetem para a origem da nossa fundação: ser e viver entre os não-cristãos. A Irene caracteriza-a uma vida de intensa caridade, que se consome através dos anos, como uma vela que arde e se extingue, emanando luz de misericórdia.

A Igreja Católica apresenta o martírio como o ponto mais alto do testemunho cristão. Como vê a dimensão do martírio, hoje, no carisma da Consolata, na vida da Igreja, na missão?

É uma dimensão fundamental do cristianismo e é uma dimensão muito particular do nosso carisma. Podemos distinguir três fases, não necessariamente cronológicas, no nosso percurso missionário. A missão conhece uma fase de envio, caracterizada pela consciência viva do chamamento, de partir e inserir-se em culturas e povos diversos. Vem depois a fase da ação apostólica, caracterizada pelo “embate” do caminho de Deus com o do povo, e do “semear” a Palavra, numa recíproca partilha de dons. Finalmente, vem a terceira fase, que representa o culminar da missão: a entrega total de si, até o dom da própria vida. Aqui, Leonella e cada missionário e missionária realizam plenamente a sua vocação.

Albino Brás

*Versão integral da entrevista publicada na revista FÁTIMA MISSIONÁRIA, edição de maio 2018